Quem precisa do né?

Na época do curso primário tive um professor que era uma verdadeira loteria para os alunos. No dia da sua matéria os coleguinhas de classe iam munidos de figurinhas, bolinhas de gude, peões, pôsteres de mulheres nuas, enfim, tudo o que possuíam de melhor para fazer suas apostas. Ganhava quem se aproximasse mais do número de nés? pronunciados pelo mestre.

Nos dias em que ele estava mais atacado chegava ao exagero de dizer um né? a cada frase ou duas. Não é preciso dizer que os alunos concentrados nos nés? do professor tinham dificuldade para prestar atenção na matéria.

Chegávamos a sair da sala sem ter entendido ao menos o que ele pretendera dizer. Era preciso fazer em casa, depois, uma espécie de curso autodidata lendo livros, como se o assunto fosse inédito.

Citei esse exemplo porque dos primeiros nés? não se esquece. Depois encontrei outros “nezistas” contumazes que poderiam se transformar em verdadeiros cassinos para aquela nossa turma de estudantes. E o né?, embora seja a maior estrela, é só um dos componentes de uma extensa prole em que se incluem os também conhecidos tá?, ok?, percebe?, entendeu?, tá certo? e tantos outros. Assim vamos nos ater ao né?, mas sabendo que os comentários valem para todos eles. O mais curioso é que a maioria dos que usam o né? não tem consciência do que faz.

No meu curso de expressão verbal, quando um aluno apresenta esse vício anoto o problema em uma folha de papel e a entrego dobrada para chamar sua atenção de maneira bem discreta. Muitos deles se voltam incrédulos para mim e perguntam em que momento da sua apresentação pronunciaram o né?. E ficam quase desnorteados quando respondo que foi em praticamente toda a exposição. Antes que peçam mais detalhes sugiro que aguardem para assistir à gravação no vídeo.

Ter consciência é o primeiro passo

Ter consciência de que faz uso do né? é o primeiro passo para eliminá-lo. Se depois de assistir no vídeo à gravação de uma apresentação de apenas dois minutos a pessoa constatar que pronunciou mais de 10 ou 15 nés?, de maneira geral, irá se sentir tão desconfortável com o vício, até então desconhecido para ela, que tenderá a iniciar imediatamente o processo de correção. Em um primeiro momento, como o né? é inconsciente, a pessoa sente certa dificuldade em evitá-lo, e fica mesmo revoltada por usá-lo nas suas frases. Com o tempo, entretanto, passa a reduzir a incidência até chegar a um número tolerável de dois ou três em uma apresentação, o que até faz parte da forma natural de se expressar.

Você poderá verificar com facilidade se usa ou não o né? na sua comunicação. Quando estiver falando ao telefone use um gravador de áudio comum para gravar sua conversa. Deixe-o ligado o tempo todo para que possa falar com naturalidade, sem se incomodar com ele. Talvez se surpreenda com o resultado e seja um dos candidatos a trabalhar para afastar o né? da comunicação.

Não pergunte quando desejar afirmar

A insegurança talvez seja um dos motivos mais fortes para a presença do né?. Quando uma pessoa está insegura, imaginando que os ouvintes estão desinteressados, ou não estão valorizando sua mensagem, passam a necessitar de um retorno positivo da plateia, e fala como se estivesse perguntando:

-Estou sendo claro, né?

-Estou falando bem, né?

-Vocês estão entendendo, né?

Ao falar, mesmo que se sinta inseguro, não revele essa fragilidade aos ouvintes. Fale sempre como se estivesse convicto da sua mensagem e se expresse afirmando e não perguntando.
Fique atento, e se perceber que o tom e inflexão da voz no final das frases são de quem faz uma pergunta, mude a maneira de falar e conclua a informação como se estivesse afirmando. A não ser, evidentemente, que o seu objetivo seja mesmo o de perguntar.

Combata esse vício

Empenhe-se no combate a esse vício e fique sempre vigilante, pois se negligenciar, nos momentos em que se sentir mais inseguro e vulnerável o antigo inimigo poderá retornar. O uso de né? com freqüência constitui-se em um grave “ruído” na comunicação oral e pode desviar a atenção da mensagem e comprometer seu entendimento. Além desse evidente prejuízo, pode também passar ao ouvinte a imagem de alguém sem convicção e de personalidade frágil.

Portanto, não é só o uso do né? em si, mas todo subtexto que ele pode expressar como formação, educação, liderança, domínio da mensagem e outras interpretações feitas até inconscientemente pelos ouvintes.

Para eliminar o vício do né? fique atento aos seguintes procedimentos: Grave sua conversa ao telefone para verificar se utiliza excesso de nés?

Procure eliminar o vício gradativamente. Não desanime no princípio, pois como o uso é inconsciente levará um bom tempo até ter domínio e afastá-lo da sua comunicação.

Fique preparado, porque nos primeiros tempos quando pronunciar o né? sentirá certa contrariedade por utilizá-lo sem desejar. Em seguida verificará que o número será reduzido e que seu esforço valerá a pena.

Toda vez que pronunciar o né?, se perceber que concluiu a frase como se estivesse perguntando por insegurança, se a circunstância permitir, repita a frase usando o tom e a inflexão de voz de quem afirma.

Lembre-se também de que o né? pode ser adequado em certos momentos da comunicação, quando desejamos conscientemente verificar se a mensagem está sendo bem recebida. (Se tiver interesse nesse tema sugiro a leitura da obra “Lingüística e comunicação”, de Roman Jakobson, que discute esse assunto ao tratar da função fática como uma das funções da linguagem).

Esse é um bom caminho para aperfeiçoar sua comunicação, né? Ops!

Reinaldo Polito

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