Relaxamento é chato ou bom?

Quem lê meus textos volta e meia reclama dizendo que encontram muita dificuldade para relaxar. E pergunta se não existe alguma forma mais rápida, sem fechar os olhos, fazer respirações profundas etc. Por incrível que pareça, deitar-se em um lugar confortável e fechar os olhos exige um grande esforço para muita gente…

Na verdade, até existe. Podemos aprender a relaxar de forma “dinâmica”, sem interromper os nossos afazeres normais. Contudo, acho que muita gente, ao perguntar desta forma, está principalmente motivada por encontrar uma maneira mais “fácil”, não mais dinâmica…

Costumo responder da seguinte forma: “suponha que você fosse uma pessoa que dissesse: “eu não gosto de atividade física. Esportes não é comigo. Não existe uma maneira de me manter em forma sem precisar suar?”. Isto é, as pessoas desejam o resultado sem passar pelo treinamento necessário….

Somos construidos de tal forma que uma coisa que é iniciada sempre encontra uma resistência de nossos hábitos inconscientes, sejam de pensar ou de agir. Se não tem prática de relaxamento, começar a relaxar deve parecer uma áfrica…. Mas isso não significa que não possa passar a gostar, se persistir na prática até sentir os efeitos positivos (que são cumulativos, começam bem devagar e se aprofundam com o tempo) da prática de relaxamento…

Em segundo lugar: quem disse que relaxar significa fechar os olhos e permanecer em posição de imobilidade? Relaxar é retirar as tensões. Ou melhor, o excesso de tensão desnecessária, que não precisamos no momento. Nosso corpo sempre precisa de alguma tensão muscular e ativação neurológica, para apenas existir. O excesso disso, se mantido por muito tempo, é que nos prejudica. Podemos conseguir manter apenas o nível de tensão ideal se desinibirmos os músculos, relaxar o sistema circulatório e os nervos, descarregando as tensões contínuas. E isso pode ser feito de duas maneiras: com imobilidade ou com movimentos suaves.

Muitos relaxam andando por locais agradáveis. Na Grécia Antiga havia uma escola de filósofos chamados “Os Peripatéticos” (de peripatos = caminhar) que meditavam e discutiam filosofia caminhando pelos bosques da Hélade.

Se deseja praticar o relaxamento, não se iluda; no início deverá persistir contra os hábitos atuais de agitação e desconcentração. Todos têm que enfrentar isso. Porém, vale a pena: não interfere com a personalidade, apenas permite que se possa obter mais acesso a partes internas que talvez não tenhamos contato….

Eu penso que nossa sociedade está bloqueando uma parte de cada um de nós, que gosta e faz com prazer e facilidade meditação e relaxamento. Esta parte tem dificuldade de ser expressada, justamente por causa destas crenças sociais de que a personalidade moderna não combina com relaxamento.

Aos que dizem: “eu não consigo”; eu pergunto: “Afinal, quantas vezes já buscou, realmente, meditar? E por quanto tempo persistiu? Que deva ter encontrado dificuldades, acredito. Mas isto acontece também nas atividades físicas, não é? Após o primeiro ou segundo dia de ginástica, não dá uma vontade enorme de ficar na cama? Porque seria diferente para exercitar o cérebro e a mente?”

O nosso inconsciente resiste às mudanças de hábitos, justamente porque é feito para economizar esforços. Aquilo que fazemos rotineiramente torna-se fácil e progressivamente compulsório…. a força do hábito torna-se quase invencível! Isto, por incrível que pareça, é um prático recurso para facilitar o nosso dia-a-dia – pense em como dirige fácilmente por um caminho habitual, sem precisar prestar atenção em cada detalhe do caminho e do carro, é verá como esta função é útil. No entanto, esta mesma habilidade pode nos atrapalhar no momento de fazer mudanças …

Outras pessoas querem roteiros prontos, muito detalhados. Roteiros prontos, escritos, são coisas frias, vazias. E só podemos “enchê-los” com nossas próprias emoções e entusiasmo vital. Muitas vezes o mundo parece que está nos dizendo que não devemos ter roteiros prontos, porque podemos nos frustrar….. O mundo parece querer nos ridicularizar, fazendo as coisas acontecerem de forma bem diferente de nossos roteiros…

No entanto, roteiros podem ser úteis. Se pudermos planejar, estaremos preparados para uma boa parte das eventualidades da vida. Não poderemos nos preparar para todas, é certo. A preparação nos facilitará em muitas circunstâncias. O planejamento não é uma camisa de força. Ter metas não é ficar obcecado, só querendo aquilo e nada mais do que se apresenta.

Uma técnica de relaxamento pode auxiliar em vários aspectos o treinamento e o desenvolvimento da autoconsciência e autocompreensão do indivíduo. O relaxamento favorece a saúde física e libera energia represada para ser utilizada por outras áreas neurológicas. Os exercícios de relaxamento desenvolvem a atenção e concentração, permitindo que haja mais eficácia em práticas posteriores sobre mudanças pessoais.

A técnica de relaxamento apresentada a seguir integra várias formas de relaxamento corporal (treinamento autógeno, relaxamento progressivo e neurolinguística). Não há espaço aqui para detalhar as técnicas das quais ela se originou. Basta dizer que o treinamento autógeno utiliza três sensações básicas para a indução de relaxamento: peso, calor morno e anestesia. O relaxamento progressivo utiliza o comando volitivo para relaxar. E a PNL (neurolinguística) utiliza as diferenças das submodalidades perceptivas, para intensificar a experiência.

Eu as combinei em uma forma pessoal, e costumo aplicá-la em meus grupos de trabalho. Todos os que a utilizaram relataram aumento da facilidade em fazer relaxamentos. Como é uma técnica extensa, não a utilizo em sua completude todas as vezes, porém ela ensina bastante sobre como aprofundar o relaxamento.

Consiste em seis passos. Na primeira vez que é feita, deve-se realizá-la de maneira um pouco mais lenta, pois exige que toda a prática seja repassada primeiro conscientemente, e depois de forma inconsciente. A essência do exercício é relaxar usando as várias facetas do eu neste processo: a visualização (primeiro de forma bem consciente e depois de forma mais inconsciente), a cinestesia, a vontade consciente e a modelação do estado ideal.

Vamos exemplificar com uma determinada parte do corpo: a perna e o pé direitos. O ideal é que seja feito parte a parte do corpo, nas primeiras vezes, sempre seguindo de baixo para cima (das extremidades para o centro do sistema nervoso central).

Se inicia por uma perna e pé (pode-se começar pela direita ou pela perna esquerda, é indiferente), quadris e abdomen, tórax, mãos e braços e, por último, pescoço e cabeça. Seguir todos estes seis passos em todas estas partes do corpo demora mais de uma hora, um tempo excessivo para se fazer um relaxamento diário. O ideal é que se faça um relaxamento de apenas uma ou duas partes do corpo, de forma completa e, esporádicamente, um relaxamento completo. Com a prática pode-se acelerar o exercício, e usar este relaxamento em situação de passividade total, percorrendo todo o corpo em poucos minutos.

1. Etapa – Representação Visual

Focalize a atenção na perna e no pé direitos. Apenas visualize todas as estruturas orgãnicas que fazem parte desta perna, sem interferir em nada, sem imaginar nenhuma mudança efetiva além do que já está lá. “Conceba” esta parte do seu corpo, a partir do seu conhecimento de anatomia, não importando se está imaginando corretamente. Veja a estrutura óssea, a circulação sanguínea, os tecidos e músculos. Esta etapa visa apenas conectar a sua mente com o seu corpo, em vários níveis, conscientes e inconscientes.

2. Etapa – Representação Cinestésica

Agora, deixe de visualizar e torne-se consciente da perna direita. Não se concentre mais no aspecto visual e sim no aspecto proprioceptivo (sensação muscular interna) e no visceroceptivo (sensação nos tecidos, vasos sanguíneos e ossos). Torne-se passivamente consciente da perna até que ocupe toda a sua atenção. Da mesma maneira como no primeiro passo, não busque neste momento o relaxamento. Apenas sentir a parte do corpo especificada. Se estiver buscando a sensação com afinco, a perna e o pé começarão a latejar e a pulsar (devido ao incremento de atividade dos pequenos nervos sensitivos que acompanham o trajeto dos vasos sanguíneos).

3. Etapa – Representação Auditiva

Conscientemente, diga para si mesmo que você está em um ambiente específico (esta sala etc) e desejando, intencionalmente, entrar em contato com o seu corpo. Diga mentalmente para si que você reservou este período de tempo x para esta tarefa, e deseja estar plenamente presente neste momento. Diga que deseja entrar em contato com esta parte específica do seu corpo (perna e pé) e agradece por qualquer ajuda que o seu inconsciente possa dar neste momento. Não é um comando, e sim um “diálogo consigo mesmo”.

4. Etapa – Representação Visual, Auditiva e Cinestésica integradas, com simbolismo e remodelagem do comportamento sensorial.

Imagine de novo, visualmente, a sua perna e pé. Desta feita utilize uma imagem mental que integre os três canais sensoriais básicos (visual, auditivo e cinestésico). Comece de forma dissociada, isto é, observando esta parte do corpo como fora de você. Escolha várias idéias que lhe lembrem uma situação de tensão tornando-se gradualmente uma situação de relaxamento (por exemplo, nuvens brancas em céu azul, cordas torcidas sendo destorcidas, cores quentes tornando-se frias, nós sendo desatados, música estridente tornando-se suave, uma pedra de gêlo derretendo-se e tornando-se uma poça de água morna). Projete estas idéias sobre a parte do seu corpo em foco. E então passe para uma experiência associada, isto é, veja e sinta como se você fosse apenas aquela parte do corpo; sinta-se plenamente nesta região. Pacientemente observe as modificações nas sensações que podem ocorrer, espontaneamente, no corpo.

5. Etapa – Indução volitiva

Aplique a sua vontade consciente. Ordene mentalmente que a perna relaxe. Solte os músculos por intenção própria, pensando e decidindo que esta ordem chega até o nível celular. Após a preparação prévia, de contato com o corpo, este aprende a obedecer comandos conscientes.

6. Etapa – Indução por analogia

Trabalhe agora os três tipos de sensação autógena que são subprodutos do relaxamento:

Primeiro, imagine uma sensação de peso na musculatura da perna e do pé. Esta sensação de peso, ao ser sentida, representa uma maior lassidão muscular (músculos relaxados parecem realmente estar mais pesados). Se tiver alguma dificuldade neste sentido, imagine o oposto; uma sensação de leveza. Após alguns momentos focalizando este contraste, retorne à sensação de peso. Perceberá que se torna mais fácil.

Após, imagine uma sensação de aumento da temperatura naquela parte de seu corpo. A sensação de calor morno e agradável representa uma maior dilatação capilar (os vasos capilares se dilatam mais, no relaxamento, produzindo efetivamente uma sensação difusa de maior calor corporal). Se tiver uma dificuldade qualquer, imagine o oposto, uma sensação de frio. Após alguns momentos praticando assim, retorne à sensação de calor.

Por último, imagine um círculo de insensibilidade ou de “desvanecimento” ao redor de seu pé. Este círculo sobe lentamente – e marque bem a diferença de sensação entre a parte que já passou pelo círculo ( e está totalmente insensível ou “desapareceu”) e a parte que ainda não passou pelo círculo. Obrigue-se a conceber e imaginar esta situação, até que toda aquela parte do corpo “não exista”. Lembre-se dos filmes de ficção científica, e imagine como um portal que teletransporta o seu corpo para longe, parte a parte, para um local de relaxamento profundo. Esta percepção de insensibilidade representa uma maior inibição no sistema nervoso central, que se conecta com aquela parte do corpo, fazendo que fique assim mais descansado, apenas sob o controle do sistema nervoso autônomo.

Fique neste estado por alguns minutos. Ao encerrar, ordene mentalmente que os benefícios deste estado de relaxamento continuem a se produzir pelo tempo que se fizer necessário, e que suas células, tecidos e músculos estão aprendendo mais como relaxar, e usarão este conhecimento por toda a sua vida. Mova-se mais lentamente por algum minutos após sair do exercício. Espreguice-se confortavelmente e levante-se.

Antonio Azevedo

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