Feridas ocultas. A triste realidade de crianças que sofrem abusos

Está provado. Maus tratos na infância não provocam
apenas traumas psicológicos reversíveis. Mas também
danos permanentes no desenvolvimento e
funções cerebrais. Scientific American

Pesquisas revelam um forte laço entre maus tratos físicos, sexuais e emocionais e o desenvolvimento de problemas psiquiátricos.

Mas, até o início dos anos 90, profissionais da área de saúde mental acreditavam que as dificuldades emocionais e sociais ocorriam principalmente por meios psicológicos. Os maus tratos na infância eram vistos como causadores do desenvolvimento de mecanismos de defesa intrapsíquicos, responsáveis pelo fracasso do indivíduo na idade adulta. Ou como paralisadores do desenvolvimento psicossocial, mantendo a vítima presa à condição de “criança ferida”.

Os pesquisadores achavam que os danos eram basicamente um problema de software, tratáveis com uma reprogramação via terapia, ou que podiam simplesmente ser apagados com exortações do tipo “esqueça” ou “supere”.

Novas investigações sobre as conseqüências dos maus tratos na infância, mostram que o abuso infantil que ocorre durante o período formativo, provocam no cérebro conseqüências impactantes. O extremo estresse pode deixar uma marca indelével em sua estrutura e função. Tais abusos, induzem uma cascata de efeitos moleculares e neurobiológicos, que alteram de modo irreversível o desenvolvimento neuronal.

O efeito do abuso infantil pode manifestar-se de várias formas, em qualquer idade. Internamente, pode aparecer como depressão, ansiedade, pensamentos suicidas ou estresse pos-traumático; pode também se expressar externamente como agressão, impulsividade, delinqüência, hiperatividade ou abuso de substâncias. Uma condição psiquiátrica fortemente associada a maus tratos na infância é o chamado distúrbio de personalidade limítrofe (borderline personality disorder).

O Trauma Infantil e a Neurofisiologia

A exposição precoce a várias formas de maus tratos altera o desenvolvimento do sistema límbico. O sistema límbico é uma série de núcleos cerebrais interconectados (centros neurais), que desempenham um papel central na regulagem da emoção e da memória. Duas regiões límbicas criticamente importantes são o hipocampo e a amígdala, localizados abaixo do córtex, no lobo temporal. Acredita-se que o hipocampo seja importante na formação e recuperação tanto da memória verbal quanto da emocional, enquanto a amígdala está ligada à criação do conteúdo emocional da memória – por exemplo, sentimentos relacionados ao medo e a reações agressivas.

Os maus tratos na infância estimulam as amígdalas a um estado de irritabilidade elétrica elevada, danificando o hipocampo em desenvolvimento por meio de uma exposição excessiva aos hormônios do estresse. Encontram-se anormalidades significativas de ondas cerebrais em dos pacientes com histórico de trauma precoce, essas anomalias aparecem nos EEGs de 72 % daqueles que haviam documentado histórias de abusos físicos e sexuais sérios. As irregularidades apareceram nas regiões frontal e temporal do cérebro envolvendo especificamente o hemisfério esquerdo ao invés dos dois lados, como seria de se esperar.

Os pacientes maltratados tem o córtex direito claramente mais desenvolvido, muito embora todos fossem destros e, portanto, tivessem o córtex esquerdo dominante. Os hemisférios direitos de pacientes que sofreram abusos desenvolveram-se tanto quanto os de jovens normais, mas seus hemisférios esquerdos ficaram substancialmente para trás.

O hemisfério esquerdo é especializado na percepção e expressão da linguagem, enquanto o direito se especializa no processamento de informações espaciais e no processamento e expressão de emoções – particularmente emoções negativas. Crianças que são submetidos a abusos ou abandono, as partes centrais do corpo caloso ficam significativamente menores. Sendo que o abandono tem um efeito muito maior do que qualquer outro mau trato.

Além disto, segundo Robert Scaer (2001), o trauma provoca uma redução do hipocampo, ocasionado uma diminuição da capacidade de absorver novas informações. Isto acontece, porque a área de “Broca”, responsável pela fala é afetada, com isto as terapias que são cognitivas se tornam ineficazes para abordar os traumas.

Então como Tratar ?

“A alma de gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nosso domínio disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor.” Paulo Mendes Campos, Para Maria da Graça, in Para gostar de ler; crônica, São Paulo, Ática, 1979, v. 4, p. 73 e segs

Este é o grande impasse em Psicoterapia do Trauma, se as terapias que são cognitivas se tornam ineficazes, como trabalhar a possibilidade de uma aproximação eficaz na criança ou adolescente, proporcionando adultos saudáveis.

A partir disto o Projeto Trauma Infantil tem criado aproximações que utilizam métodos tradicionais associados a novas teorias/técnicas, buscando trabalhar formas mais efetivas de psicoterapia com crianças que sofreram traumas. Começamos a introduzir novas ferramentas como a Hipnose, o Tapping, Técnicas de Segurança, Técnicas de Retenção. Sendo que estas ferramentas se associam às técnicas terapêuticas de forma harmoniosa e simples

O tratamento e a dessensibilização de traumas deve ser um trabalho cuidadoso e feito passo a passo. Inicialmente devemos instalar segurança e proteção e depois ir resolvendo o que esta por trás das defesas. As crianas a partir de suas experiências da vida passam a criar barreiras e limites de proteção e segurança. Um trauma é uma situação que rompe essas barreiras e limites que faz com que a criança paralise no tempo e no espaço. Excede todos os limites de segurança e suporte. A Hipnose atua no cérebro em várias áreas, escapando a armadilha de Scaer (a área de “Broca”, responsável pela fala é afetada, com isto as terapias que são cognitivas se tornam ineficazes para abordar os traumas). Além disto, utiliza simbolismo (metáforas) como uma ferramenta que permite protegidamente com que a criança recupere sua barreira de proteção e segurança.

O trauma deixa Traços Mnemônicos que são como marcas, sempre que é revivido com intensidade provoca retraumatizações. O afeto fica preso dentro das marcas, quanto mais profunda marca mais o afeto fica aprisionado. O afeto precisa ficar livre porque representa energia de vida. O trauma é uma marca muito profunda que prende o afeto, então se precisa criar uma maneira para que o afeto se libere de forma segura. Os símbolos liberam o afeto de forma segura, liberando então a energia de vida que esta associada ao afeto.

Fontes
Apostila de Curso – A Psicoterapia do Trauma Infantil – Gastão Ribeiro
Feridas que não cicatrizam: a neurobiologia do abuso infantil – Martin H. Teicher – Scientific American
Scaer, R. (2001). The Body Bears the Burden: Trauma, Dissociation and Disease, Binghampton:The Haworth Press, 2001.

mais artigos de Gastão Ribeiro

 

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