Criatividade empreendedora II

Esse artigo apresenta uma diferente compreensão sobre o papel e a importância dos chamados “bloqueios” juntamente com suas utilidades. Compreender a sua gênese pode ser muito útil para mantermos o respeito pelas condições nas quais nossa criatividade pode se expressar.

Sendo assim, ele pode ajudar a estabelecer as bases para construirmos mais facilmente uma via de acesso ao infinito manancial de nosso interior criativo.

Contexto
Nem sempre os textos sobre criatividade privilegiam adequadamente a importância dos bloqueios como “criações” de nosso universo inconsciente, admitindo, tal qual alguns modelos terapêuticos, que nossa mente inconsciente é um tanto “burra”. Mas certamente, aquilo que todos têm, não poderia ser verdadeiramente algo sem sentido! Para tanto, compreendermos melhor a sabedoria de nossa existência interior, pode ser útil mudarmos algumas compreensões sobre esse universo que contém nossa consciência (tão ávida de julgar e atribuir nomes) e nossa mente inconsciente (onde acontece quase a totalidade de nossa vida interior).

Artigo Por muitos anos, o conflito aparente entre o processo criativo e os limites de expressão dessa força criativa (comumente conhecido como bloqueio) tem sido apresentado como algo a ser vencido por um dos personagens: a chamada criatividade. Mas essa é essencialmente uma conclusão do mundo adulto. No universo infantil, de alguma forma, esse conflito parece ser construído e ativado para que os bloqueios perseverem. Contraditório, não? Existem pesquisas que afirmam que uma criança, até os sete anos de idade, já escutou pelo menos cem mil vezes a palavra não.

Testes de criatividade realizados pelo Dr. Calvin Taylor, da Utah University, apresentados no livro do Dr. George Land, indicam uma realidade impressionante. Oito tipos de testes aplicados num universo de aproximadamente mil e seiscentos indivíduos avaliados em diferentes fases de vida evidenciaram o seguinte: 98% de um grupo de crianças, cuja idade se situava entre três e cinco anos, apresentou desempenho de criatividade correspondente à genialidade; 32% das crianças entre oito e dez anos possuíam grau de gênio; apenas 10% entre treze e quinze anos ainda permaneciam “gênios”; e, finalmente, restou apenas 2% dos jovens adultos acima de vinte e cinco anos com essas habilidades ativadas.

De alguma estranha forma, parece que as crianças aprendem a não ser criativas. De fato, uma outra forma de entender os chamados bloqueios mentais ou emocionais é percebê-los como construções criativas de nossa própria mente inconsciente para lidar com os regulares problemas causados pela expressão descontrolada de nossos impulsos criativos.

Observe que essa força criativa que existe dentro de cada um de nós (ou que somos nós) se expressa constantemente através das mais diversas dimensões de nossa existência. Tome algumas inspirações mais profundas e, ao final da quinta ou décima respiração mais intensa, deixe que, naturalmente, o ar seja expirado até uma posição de repouso. Perceba que, após uns poucos instantes de descanso do ato de respirar, espontaneamente você volta a respirar. Como isso é surpreendente, já pensou? É tão natural e espontânea a expressividade vital que, muitas vezes, nem nos damos conta: a vida se perpetua em sua forma criativa de perceber e se expressar.

Este artigo tem por objetivo ativar e recuperar alguns recursos e estratégias poderosas e já conhecidas em algum nível de percepção, seja consciente ou inconsciente. Não obstante, a linguagem informal compõe uma estratégia que tem por intenção e pretende criar um clima de leitura criativa. Aqui reside um dos mais importantes aspectos desta metodologia. Contraditoriamente, quanto menos esforço fizermos neste processo, maiores serão os resultados! Estaremos investindo tempo e energia na integração e resgate de muitas habilidades e percepções que, por alguma razão importante até aqui, não estiveram em uso.

Quero exemplificar a observação anterior, para que possamos entender melhor o significado e a importância da adequação cultural e social para cada indivíduo. Dois exemplos da vida diária servirão para coordenarmos, sem prévios julgamentos e de uma maneira mais respeitosa, nossos interesses de mudança e transformação com nossos antigos programas de sobrevivência e adequação social, profissional e pessoal – condições que, efetivamente, nos destacam e compõem nossa própria identidade.

Certo dia, conversando com uma amiga, tomei conhecimento de sua intenção de levar a um museu sua afilhada que viria para São Paulo no prazo de duas semanas. Ofereci-me como companhia caso ela mudasse seu passeio para uma ida ao Jardim Zoológico. Aprovado. Duas semanas depois, fomos com duas meninas de sete anos (sua afilhada e uma prima) visitar o parque. Travei conhecimento com as duas pequenas e rapidamente iniciei uma brincadeira. Contarei a seguir o que restou em minha memória o mais fielmente possível. Comentei com elas sobre o passeio e os animais todos que iríamos ver e perguntei a elas se elas tinham visto o meu tigre. Qualquer pessoa que já tenha lido Calvin e Haroldo (Calvin & Hobbes) nas tiras de jornal ou edições especiais em quadrinhos sabe que trata-se de um personagem imaginário. E eu possuo o meu: um imenso tigre que vive me rondando – uma doce e infantil fantasia (ou um anjo da guarda, para quem preferir).

Tão logo iniciei a apresentação do meu tigre, fui considerado mentiroso. Criou-se então uma discussão: elas afirmavam (já não muito seguras) que eu estava mentindo e eu afirmava que não mentia, mas que aquilo era “uma outra verdade”. Houve tensão no ambiente. Passados alguns minutos, a discussão sobre o meu tigre naturalmente se calou, então uma delas “sacou” uma pergunta diretamente endereçada a mim: “Quem declarou a Independência do Brasil?”. Respondi, brincando com um nome diminutivo qualquer. Imaginem, logo disseram-me que eu era burro e que não sabia a resposta, em seguida me contaram a resposta certa. Disse-lhes que ficaria feliz de ir ao Zoológico, pois poderia encontrar-me com meus parentes mais próximos: as zebras, os cavalos, outros eqüinos… Novamente, outro teste: perguntaram-me quem era a esposa de D. Pedro I. Errei outra vez! Perguntaram-me, então, quem era o seu “amigo do peito”. Mais uma vez, errei. Disseram-me que eu não sabia nada e que era burro!

Não tardou, voltaram a falar sobre o meu tigre. Mais uma vez fui considerado mentiroso. Mais alguns minutos na repetição daquela mesma discussão. Pela segunda vez, então, repetiram todo aquele questionamento a respeito da História brasileira – novamente me mostrei incompetente e elas declararam isso, porém, desta vez, para cada pergunta eu respondia com os diminutivos dos nomes que elas haviam me contado: isso ainda não servia. Então percebi algo muito interessante. Todos sabemos que, em geral, as crianças são conhecidas pela sua habilidade de conviver com um mundo paralelo, imaginário. Também sabemos que o processo de aceitação social (poderíamos chamar também de iniciação social ou sociabilização) percorre uma estrada de descaracterização do mundo imaginário através de seu enquadramento como irreal. Afinal de contas, o mundo adulto deve ser real e objetivo!

Pois bem, elas me testaram o quanto conseguiram. Não utilizei a linguagem do certo e do errado e muito menos a retórica adulta. Tornar-se adulto e conquistar o poder, a autonomia e a liberdade deste universo é um sonho de quase toda criança (foi meu também). E isso significa romper com o mundo infantil e assumir as mentiras dos adultos e suas idiossincrasias. Mentiras, sim! Qualquer pessoa que chegue a estudar a real História do Brasil ou geral em nível universitário saberá que todas aquelas historinhas que ouvimos, quando éramos crianças, sobre heróis e pioneiros não foram muito bem contadas. Na verdade, nada bem contadas – muito mal contadas. E passamos anos e anos estudando aquelas fantasias… Muitas delas, no nível escolar primário, são grandes e muito bonitas.

As garotinhas não queriam acreditar no meu tigre imaginário, e ficaram testando minha seriedade buscando respostas de adequação cultural. Pior que isso. Ouvem algumas histórias fantasiosas em tão tenra idade, repetidamente, durante anos, e saem pelo mundo afora afirmando grandes fantasias – porém, aceitas como reais pela grande maioria das pessoas de uma mesma cultura. Aí acaba se cristalizando sua identidade pessoal e cultural. Peter Senge, grande cientista americano, conta uma história muito interessante em seu livro mais recente, traduzido para o português, “A Quinta Disciplina – Caderno de Campo”. Diz algo a respeito de um povo africano cuja saudação entre as pessoas era: “Te vejo”. A reposta correspondente era: “Eu estou aqui”. Nessa cultura, um indivíduo ficaria muito ofendido caso alguém lhe encontrasse sem cumprimentá-lo, pois estaria negando-lhe a existência e, conseqüentemente, retirando-lhe a própria identidade. É claro, essa é “uma outra cultura”. Em nossa civilização, conquistamos respeito, reconhecimento e identidade pelo que sabemos reproduzir dos conhecimentos culturalmente aceitos como verdadeiros. Ou através da representação de ações ou frases realizadas nos programas de televisão pelos personagens em evidência em cada época.

Certamente, então, qualquer recurso, comportamento ou estratégia que tivemos ou usamos em alguma época de nossa vida e, conscientemente ou não, escolhemos deixar de utilizar para assumir uma identidade reconhecida profissional ou socialmente, poderá ser reativada. Agora, entretanto, não devemos nos condenar, ou mesmo julgar algumas decisões conscientes ou não. Naquela época, talvez tenha sido muito mais importante a conquista do processo de sociabilização e a construção de uma identidade. No presente, porém, poderá ser muito importante para nossa criatividade e realização que resgatemos aqueles potenciais que acabaram por adormecer em nosso interior. Afinal de contas: “Por que ser quem somos, se podemos ser bem melhores?” (Richard Bandler).

Há uma outra história interessante de aprendizagem rápida que tive oportunidade de observar. Voltando para casa num domingo à noite, atravessei a Av. Paulista, como faço muitas vezes, por dentro do Metrô. Lá havia um cartaz divulgando uma palestra sobre Síndrome de Pânico. Seria na segunda-feira, o dia seguinte, às 19 horas, na Câmara Municipal. Ótimo, fui lá para ver.

De imediato, percebi algo que, para mim, era bastante estranho: seria realizada no oitavo andar e começou com 45 minutos de atraso! Eu não sofri com isso… Durante a espera, tive oportunidade de um longo bate-papo com um conhecido, jornalista.

Porém, fiquei pensando como estariam se sentindo alguns portadores da síndrome que porventura estivessem lá. A resposta não tardou. De fato, mesmo antes de iniciar o evento, que reuniu aproximadamente 200 pessoas, uma senhora, sentada à minha frente, virou-se para nós e disse estar interessada em nossa conversa, cujo assunto era uma outra forma de entender a manifestação (ou seria expressão?) da síndrome. Essa senhora, que havia sido levada por duas moças (uma, acredito, era sua filha), não queria mais permanecer no recinto por estar se sentindo muito mal. Ao virar-se para nós e expressar seu desconforto, formulei uma pergunta: “A senhora gostaria de se sentir melhor?”. Surpresa! Por um lapso de tempo, pude perceber em seu rosto uma expressão de surpresa e confusão. Pensei comigo: “Talvez nunca ninguém tenha lhe feito essa pergunta!”. Passados alguns instantes, ainda meio confusa, respondeu que sim. Pedi, então, que respondesse quatro ou cinco perguntas, após tê-las escrito em uma folha de papel. Terminadas as respostas, terminado o mal estar, naquele momento.

Finalmente iniciou a palestra. Havia uma mesa onde ocupavam assentos um deputado, um representante do prefeito e algumas profissionais de saúde pública (médicas e psicólogas). Após a abertura oficial da palestra, sucederam-se os seguintes eventos: uma médica ou psicóloga que, por vinte minutos, falou sobre a instituição Associação de Síndrome de Pânico (ou algo assim) e suas dificuldades de sobrevivência por falta de recursos e um longo agradecimento ao deputado que presidia a mesa pela sede dessa associação, que havia sido providenciada por ele; vinte e cinco minutos de apresentação da instituição e história de sua formação, complementados por depoimentos de três ou quatro pessoas beneficiadas pela associação em seus trabalhos de ajuda mútua sob orientação daqueles profissionais (já eram 20h30); e uma longa indução hipnótica de aproximadamente 75 minutos realizada por uma psiquiatra que descreveu, detalhadamente, toda a evolução da sintomatologia dessa síndrome.

Acredito que as intenções de todos esses profissionais eram muito boas e puras. Porém, os resultados considero catastróficos. Para ter uma idéia, antes do final da última parte da palestra, mais da metade dos presentes havia se retirado da sala. Chamei de indução hipnótica por dois motivos: os resultados nas pessoas (havia uma amiga, portadora de alguns sintomas da síndrome, que me confidenciou, ao final do evento, que havia sentido coisas que não sentia há muito tempo) e os padrões de linguagem e entonações utilizados pela médica, provavelmente, inconscientemente.

Nessa ocasião, lembrei-me de um fato muito curioso que eu vivera. Nas festas de Natal do ano anterior, eu havia formulado votos de feliz Natal e ano-novo próspero para muitos clientes da minha academia. Alguns alunos são médicos e, para um destes, dissera que torcia e esperava que seu consultório estivesse lotado de pacientes no ano seguinte. De fato, desejei a sua prosperidade. Porém, ao desejar-lhe aqueles votos, tomei consciência de algo muito sério em nossa cultura: vivemos orientados e focalizados em problemas, não em soluções. Imagine: o que estaria pensando um médico ou psicólogo, em seu consultório, se tivesse muitos horários disponíveis em sua agenda?

Aquela médica psiquiatra, reproduzindo toda a sua experiência profissional, poderia ter usado aqueles setenta e cinco minutos para falar sobre soluções. Poderia ter tentado, pelo menos, fazer com que aquelas pessoas se sentissem melhor. Mas ela provavelmente aprendera apenas a perceber problemas. Sua intenção, quero acreditar, era boa. Porém, sua intervenção, descobri, foi desastrosa.

Voltemos agora às soluções. Mais precisamente às questões de aprendizagem. Quer queiramos quer não, conscientemente, aprender mais e mais rápido, temos que lidar com alguns limites que, ao longo de nossa vida e educação, colocaram ou colocamos dentro de nós mesmos. Apresento isso dessa forma pois acredito que, inconscientemente ou não, no mais íntimo ser de cada um de nós, aprendizagem é um valor essencial em nossa hierarquia. Haja vista algumas evidências: por mais cansados e exaustos que estejamos, se gozarmos de uma saúde razoável, podemos dormir talvez oito, talvez quinze, ou mesmo vinte horas, mas, mais cedo ou mais tarde, tomamos uma inspiração profunda, abrimos os olhos e não conseguimos mais ficar deitados na cama. Mais cedo ou mais tarde haverá algo nos impelindo e impulsionando para a vida e seu movimento próprio.

Retornando, os bloqueios são construções mentais para que o mais profundo de nosso ser possa gerenciar os transtornos causados pela livre expressão dos nossos próprios sentimentos e criações durante uma longa etapa de nossa vida, que inclui a adequação social ou sociabilização. Isso significa que: a) 98% de nós, pelo menos, são gênios criativos; b) o conflito que dizem existir entre criatividade e bloqueio é apenas aparente: não é real. Os próprios bloqueios são construções criativas (mecanismos de segurança de sobrevivência e aceitação cultural e social).

Portanto, esse conflito na superfície (“fictício”) poderá ser capitalizado a partir de um processo de síntese criativa: tese e antítese somente se sintetizam em outro nível lógico superior (não hierarquicamente, porém, sob outro ponto de vista), onde os contrários podem coexistir simultaneamente (estado de consciência, normalmente, alterado, muito treinado nas práticas com “Koans” no Budismo Zen e na filosofia Taoísta).

Na prática? Abraçamos a sombra (segundo Jung). Damos boas-vindas aos nossos bloqueios. Ao darmos as boas-vindas, podemos agradecer-lhes todo o seu empenho e trabalho para nos preservar de nossa expressividade descontrolada. De frente para eles, então, podemos “contemplar-lhes os olhos e a face”. Nesse processo contemplativo, nosso ponto de vista, o local a partir do qual observamos, permite-nos ver ou perceber uma outra dimensão causal e de relacionamento nosso para com a situação/solução a ser elaborada ou criada. Esse atalho permite-nos observar a realidade de uma dimensão cuja passagem não está mais sendo protegida pelos guardiães chamados bloqueios.

Considere como um instrumento a metáfora oriental de observar o Mestre pelas costas. Refere-se essencialmente ao aprendizado inconsciente numa cultura que cultiva a congruência. Nela, o provérbio: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” é culturalmente uma afronta. Via de regra, se aprende o que o mestre diz e se observa como ele aplica os conhecimentos.

Feita essa conexão, obtém-se outra temporária ordem interna: nesse novo ponto de vista, ocorre uma síntese onde o objeto de nossa criação e nós, os criadores, se relacionam através de significações e conceitos diferentes. Eureka!

Conclusão
Ter a flexibilidade de compreender que nossos defeitos podem não ser defeitos ou que nossas qualidades podem também não ser qualidades, dependendo do ponto de vista, é uma importante atitude para aumentarmos o poder de conquistarmos a experiência subjetiva e termos a permissão para encontrar o conhecimento e a sabedoria interior. Sendo que é exatamente em nossa mente interior que vamos encontrar a nós mesmos como seres extremamente criativos e construtivos! A cultura racionalista ocidental privilegiou exageradamente o ponto de vista da consciência e o que pode ser útil apenas a ela, julgando ou valorizando suas percepções apenas em termos materiais. Nem sempre entretanto, essa atitude permite acessarmos o melhor de nós mesmos: nossa felicidade, sabedoria, bom senso, etc… Esse conflito foi elegantemente a trama do filme “Star War”.

Walther Hermann

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