A hipnose na terapia breve

“Corria o ano de 1897 e o lugar era S. Petersburgo. A ocasião foi a estréia da Primeira Sinfonia de um compositor de vinte e quatro anos de idade (Rachmaninoff). Foi um completo fiasco e o próprio Rachmaninoff descreveu como ficou sentado, mudo de horror, durante parte da execução e, depois fugiu da sala de concertos antes do fim. Numa festa que tinha sido organizada em sua homenagem para essa noite, depois do concerto, continuou agitado e inquieto, mas o golpe final chegou na manhã seguinte, quando apareceram as críticas.

Em The News, Cesar Cui escreveu: ‘Se no inferno existisse um Conservatório, Rachmaninoff ganharia facilmente o primeiro prêmio para sua sinfonia, tão diabólicas são as discordâncias que nos oferece.’. Esta combinação de acontecimentos foi excessivamente traumática para uma personalidade tão sensível quanto a de Rachmaninoff. Foi avassalado por um acesso de depressão e apatia, do qual não foi capaz de erguer-se, e que durou dois longos e sombrios anos.

Finalmente, seus amigos convenceram-no a consultar um dos pioneiros no campo da auto-sugestão, o Dr. Dahl. Rachmaninoff, em suas memórias (Rachmaninoff’s Recollections, contadas a Oscar Von Riesemann), narra a história: ‘Pessoas de minhas relações disseram ao Dr. Dahl que ele devia fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para curar-me da apatia e pôr-me em condições de recomeçar a compor.

Dahl perguntou que gênero de composição desejavam e recebeu a resposta: um concerto para piano, pois tinha prometido um para ser apresentado em Londres e desistira, tomado de desespero. Por conseqüência, ouvi a mesmo a fórmula hipnótica repetida dia após dia, enquanto jazia, meio adormecido, numa poltrona do gabinete do Dr. Dahl: ‘Você começará a escrever o seu concerto… Vai trabalhar com grande facilidade… O concerto será de excelente qualidade…’ Sempre as mesmas sugestões, sem interrupção. Embora pareça incrível, esse tratamento me ajudou, realmente. No início do verão já estava compondo outra vez. O material acumulado e novas idéias musicais começaram a agitar-se dentro de mim… muito mais do que precisava para o meu concerto.

Quando o outono chegou, já tinha completado dois movimentos (O Andante e o Finale)… Toquei-os nessa mesma estação, num concerto de beneficiência regido por Siloti… com lisonjeiro êxito… Na primavera seguinte o primeiro movimento (Moderato) estava concluído… Senti que o tratamento do Dr. Dahl revigorava meu sistema nervoso num grau milagroso. Por gratidão, dediquei-lhe o Concerto Nº 2.'”

Quaisquer que fossem os outros efeitos que o tratamento de Rachmaninoff pelo Dr. Dahl tivessem produzido, a dissolução dos seus sintomas e a devolução de sua capacidade criadora foram auxiliadas, evidentemente, pelo recurso à prática da hipnose. Hoje em dia, não nos damos por satisfeitos com uma simples restauração da homeostase como objetivo do tratamento. Esforçamo-nos, além disso, por resolver conflitos devastadores e por fortificar a própria estrutura da personalidade. Por conseguinte, a hipnose é empregada conjuntamente com outras técnicas de terapia breve, com a finalidade de catalisar o processo de tratamento total. Isto não significa que a hipnose nunca deva ser empregada para a remoção de sintomas, para o alívio ou a substituição da sintomatologia em caso de emergência, ou quando o paciente está tão-somente motivado para a eliminação do mal-estar que o incapacita. Mas tal uso deve ser reconhecido como um objetivo limitado; se mudanças mais substanciais na personalidade ocorrerem, devem ser consideradas um subproduto fortuito.

Fundamentos lógicos para o uso da hipnose

Uma apreciação dos valores terapêuticos da hipnose é dificultada por numerosos obstáculos humanos. Primeiro, há psiquiatras, que têm pouca experiência, mas grande convicção, que investem contra o uso de técnicas hipnóticas. Fazendo-se eco das dúvidas que Freud expressou no final do século XIX, denunciam o método como um uso irracional da sugestão, o qual contorna e, por conseguinte, negligencia a resistência, contamina a transferência, assim reavivando as necessidades e aspirações regressivas, e só temporariamente elimina os sintomas, para vê-los reaparecerem em sua forma original ou numa outra forma. Nestas circunstâncias, alegam eles, a hipnose serve como agente contaminador de uma boa terapia.

Em segundo lugar, há profissionais com experiência considerável no campo da hipnose que nos advertem contra seus perigos, descrevendo com vivas cores casos em que ocorreram acessos de sexualidade e hostilidade, e até colapsos psicóticos. Terceiro, há indivíduos que empregam a hipnose e acham que seus efeitos são demasiado evanescentes e inóculos para influírem no tratamento, para bem ou para mal. Em quarto lugar, temos aqueles que se mostram tão entusiasmados com a terapia hipnótica que a empregam indistintamente em todas as perturbações imagináveis e até a recomendam para estimular as funções normais.

Finalmente, há investigadores que negam a existência de tal coisa como um estado hipnótico, afirmando tratar-se apenas de uma “encenação”, representada pelo indivíduo para agradar ao operador; ou insistem em que a hipnose é, meramente, sugestão com acessórios não-essenciais e rituais de pantomima. Há, na literatura, um dilúvio de escritos oriundos de todos os grupos acima citados, fazendo com que seja, pelo menos, precária uma avaliação da hipnose por parte do terapeuta que deseja empregá-la.

A ambivalência em torno dos resultados não é, evidentemente, exclusiva da hipnose. Afeta, praticamente, todos os ramos da psicoterapia. A psicanálise, sobretudo, já recebeu mais do que sua conta de publicidade desfavorável, pela pena de teóricos autodidatas e de alguns sofisticados psicanalistas “vira-casacas”. Tanto nos escritos científicos como nos de divulgação, a ineficácia e o perigo da farmacoterapia, da psicocirurgia, da terapia de grupo e de outras formas de tratamento são periodicamente destacados. Tais críticas têm seus aspectos favoráveis, dado que focalizam as atenções sobre algumas das fraquezas dos nossos modos correntes de tratamento. Entretanto, ao exagerarem as deficiências, em vez dos sucessos registrados, grande dano podem causar as muitas pessoas que precisam de ajuda e que poderiam beneficiar-se da cuidadosa aplicação do método criticado.

Um certo número de pacientes, advertidos contra a hipnose por seus médicos ou psiquiatras e flagelados por sintomas que não cedem às técnicas tradicionais, consultam, finalmente, um praticante de hipnose, desafiando tais advertências num gesto de desespero. A parte as usuais resistências ao tratamento, o esforço terapêutico é contrariado pelas dúvidas e sentimentos de culpa que assediam o paciente por Ter desafiado uma autoridade respeitada, dúvidas e sentimentos esses que se somam à convicção de que é um caso perdido e ao efeito negativo da panacéia.

Além disso, uma outra complicação adultera a aplicação terapêutica da hipnose; refiro-me à expectativa de efeitos mágicos, por parte do paciente e do terapeuta. A hipnose está aliada, no espírito de alguns pacientes, a fenômenos supranormais, tais como telepatia, clarividência, premonição, adivinhação e manifestações de sobrevivência após a morte. Esta associação é fomentada, sem dúvida, pela confusão tradicional de hipnose com bruxaria, por aquilo que pode ser considerado como extravasamentos fantasmagóricos no transe, que, aparentemente, desafiam as leis da natureza, e pelas extraordinárias produções literárias que descrevem “revelações em transe”, escrita automática, visões na bola de cristal e falas durante o êxtase.

A noção de que a hipnose é uma substância maravilhosa que pode, não se sabe como, provocar rápidas curas é um aspecto do desejo ancestral de feitiçaria que a maior parte dos pacientes possui, ao acudir a um curandeiro que aliviará, assim esperam, seus sofrimentos. Isto redunda, inevitavelmente, em desapontamento, porque a hipnose não possui uma vara mágica para rechaçar um inimigo que , durante anos, desafiou todo o controle e até a localização. E o terapeuta poderá, nas primeiras fases de suas experiências com a hipnose, imaginar que vai fazer o impossível. Quando a resistência começa a ripostar, neutralizando as sugestões comunicadas ao paciente no estado hipnótico, o terapeuta pode facilmente perder a fé no poder da hipnose de conter ou resolver a doença do seu paciente.

Uma outra confusão que prejudica a aceitação plena da hipnose como modo de tratamento é o dilema que envolve sua natureza exata. Se analisarmos a literatura, veremos que a hipnose é identificada com dependência, masoquismo, homossexualidade, transferência, fixações pré-genitais e mais uma porção de coisas. Sustenta-se que seu ponto de origem está no prosencéfalo, no tálamo, na formação reticular, nos neurônios ou nas sinapses. As provas apresentadas a favor de cada uma dessas filiações, desde os experimentos laboratoriais ao conteúdo de verbalizações, fantasias, sonhos e manifestações do comportamento, são em número deveras impressionante. Se o leitor se inclinar em qualquer direção especial ou se deixar impressionar pela reputação do autor, endossará facilmente tais teorias. Mas é essencial ser cauteloso na atribuição à hipnose de qualquer local permanente no catálogo da sua causalidade. Sabemos tão pouco sobre o ponto em que a hipnose se entronca na eletrônica ou na química ou na neurofisiologia da função cerebral quanto sobre a natureza da consciência ou do sono.

Não estamos mais avançados em sondar a psicologia, psicodinâmica ou sociologia da hipnose do que os processos cognitivos, afetivos e comportamentais não-hipnóticos. Parece que o mais prudente seria expor a hipnose às condições do método científico, com suas leis fases sucessivas: observação, análise, compreensão, formulação, experimento e reprodução. Entretanto, na aplicação dessas operações, devemos reconhecer que a hipnose, tal como outras ciências do comportamento, carece de um paradigma conceptualmente simplificado, em torno do qual possamos cristalizar nossas idéias da teoria. Por muito sofisticados que nossos experimentos sejam ou por mais brilhantemente que julguemos Ter verbalizado nossas hipóteses, devemos Ter a maior prudência, para impedir a metamorfose dos nossos dados em dogmas e de nossas idéias em ideologias. As múltiplas e complexas variáveis que intervêm na hipnose, a dificuldade em controlar as circunstâncias do experimento, a falibilidade do observador, a miopia dos seus preconceitos e a impossibilidade prática de estabelecer controles adequados tornam a modéstia uma atitude essencial ao se atribuir uma idoneidade preditiva a quaisquer eventos observados no estado de transe.

A objeção de que não deveríamos empregar um método cuja natureza precisa ainda é desconhecida, poder-se-ia replicar que a maior parte da medicina tem suas raízes no solo do empirismo. Somente através da observação e da experimentação constantes estamos aptos a estabelecer o valor específico de alguns dos nossos instrumentos terapêuticos. Ainda empregamos os outros sem saber por que é que funcionam; basta-nos saber que funcionam. E, assim, utilizamos a hipnose, embora não esteja perfeitamente claro o que é e como funciona, exatamente.

Existem perigos na hipnose ? Ainda mais importante na avaliação da hipnose é a existência de certos relatos sobre os efeitos precários do seu emprego, os quais se têm beneficiado de publicidade na imprensa leiga e profissional. O terapeuta poderia deduzir de tais relatos que praticar a hipnose é como apanhar um tigre pelo rabo, que poderá, por causa do caráter traiçoeiro de tornar-se irreversíveis.

Há algum tempo, iniciei um programa de pesquisas que tinha por finalidade estudar os presumidos perigos da hipnose. Questionários cuja maioria nos foi devolvida, foram remetidos a quase 2.000 profissionais, divididos em duas categorias: uma, formada pelos membros de duas organizações profissionais de hipnose; outra, composta de pessoas que não estavam filiadas a essas organizações. Entre as perguntas estavam incluídas estas: se o depoente, no caso de utilizar a hipnose, testemunhara alguns efeitos indesejáveis, sendo especificamente enumerados alguns sintomas; se o depoente também verificara algumas dessas mesmas conseqüências em pacientes tratados sem hipnose.

Os questionários devolvidos por médicos de clínica geral, psiquiatras, dentistas e psicólogos que informavam não empregar a hipnose em suas práticas mostraram, aproximadamente, a mesma percentagem e as mesmas espécies de reações indesejáveis, como resultado de procedimentos não hipnóticos, que apareciam no grupo que praticava a hipnose. Contar cabeças, desta maneira, não será o melhor gênero de metodologia científica; mas, certamente, uma amostragem dessa dimensão comportará alguma relação com os fatos. Minha impressão, ao estudar os questionários, foi de que existe uma quantidade enorme de pessoas emocionalmente instáveis, propensas a manifestar indícios de reação perturbada ante qualquer espécie de procedimentos terapêuticos que se revistam de um significado inquietante ou assustador para o paciente, quer se trate de hipnose, psicanálise ou algum outro tipo de psicoterapia.

A hipnose é, em si mesma, um procedimento inofensivo. Contudo, se constar, na mente do paciente, algo pernicioso, ou se o terapeuta se conduzir de modo antiterapêutico durante a hipnose, o paciente poderá reagir com ansiedade. Se bem que a hipnose possa diminuir as barreiras repressivas e facilitar um retorno à consciência de certos conteúdos psíquicos reprimidos, não há razão, porém, para recear que o paciente seja automaticamente chocado por isso, mesmo que seu ego seja frágil. Empreguei a hipnose com proveito em inúmeros casos de pessoas psicóticas e limítrofes, e verifiquei que os estudos contribuem mais para acalmá-las do que para perturbá-las. Mas o que pode, realmente, perturbar o paciente são atividades, atitudes e sentimentos, no terapeuta, que se transmitam ao paciente e não sejam no interesse da boa terapia.

Foi-me encaminhado um paciente num estado de ansiedade que estava provocando uma desorganização vizinha ao colapso psicótico. Estivera sob os cuidados de um psiquiatra que empregara a hipnose e tanto a família como o próprio paciente tinham a impressão de que essa técnica fora a responsável pelos atuais distúrbios. O paciente era um indivíduo obsessivo-compulsivo que realizada sempre uma adaptação marginal, utilizando suas defesas compulsivas.

Pouco depois do seu casamento, começou a desenvolver um medo intenso de objetos pontiagudos, sobretudo facas, r fazia mil rodeios para evitá-los, chegando até ao ponto de fechar a sete chaves todos os instrumentos de cutelaria que apresentassem um perigo potencial; a gaveta onde todos esses utensílios foram acumulados estava confiada à guarda de sua esposa, que tinha a chave e estava instruída para não lhe dizer o paradeiro.

O que estava subjacente nessa manobra toda era um medo de perder o autodomínio e, apoderando-se da arma, enterrá-la no peito de sua esposa. Latente neste medo e impulso havia um sentimento de ter caído na armadilha que sua esposa lhe estendera, tal como antes se sentira colhido por sua mãe. Encasulado num casamento confiante que interpretara como um roubo da pouca independência que finalmente conseguira, encarava a possibilidade de uma libertação pela violência e, então, a culpa levava-o a reprimir esse impulso.

O que inquietava e perturbava a esposa, fazendo-a insistir em que o paciente visse um psiquiatra, eram as precauções que tomava para evitar apoderar-se da chave confiada à guarda dela. Como ela poderia falar durante o sono e revelar o paradeiro da chave, o paciente exigiu que a esposa dormisse num outro quarto. Depois, temeu que, num acesso de sonambulismo, caminhasse até o quarto dela e que o estímulo de sua presença pudesse provocar a informação indesejável. Como medida de precaução, insistiu em que fossem colocados baldes de água na porta, para que tropeçasse e caísse, acordando do sonambulismo, durante qualquer missão fatídica.

Durante a terapia, o psiquiatra tinha decidido dessensibilizar o paciente, para facas, e, recorrendo à hipnose, sugeriu-lhe que, enquanto se imaginava numa atmosfera agradável, como uma festa de aniversário ou um piquenique, se visse tocando, depois agarrando e utilizando uma faca para preparar uma refeição. Em seguida, sugeriu ao paciente que procurasse usar facas para outros fins domésticos. Depois disso ter sido realizado com êxito, o terapeuta sugeriu vigorosamente ao paciente, durante a hipnose, que demonstrasse a si mesmo jamais usar uma faca com intuitos destruidores, colocando uma faca de podar debaixo do travesseiro e dormindo sobre ela.

Na tarde seguinte a essa sugestão, o paciente telefonou ao terapeuta, num estado de grande ansiedade, perguntando se era realmente necessário executar uma ordem hipnótica, e recebeu a ordem peremptória de fazer o que lhe fora ordenado. Durante uma noite inquieta, o paciente viu-se acariciando a faca e reagindo com terror ao impulso para entrar no quarto de sua esposa. Na manhã seguinte, teve uma crise de pânico, da qual não parecia capaz de se recuperar. Minha terapia foi, essencialmente, de natureza tranquilizadora e a hipnose foi empregada para ajudar a aliviar sua angústia, com efeitos benéficos.

Uma terapia é tão boa quanto aquele que a executa. Um bisturi é uma ferramenta que, nas mãos de um hábil cirurgião, pode ser um instrumento salvador. Mas, nas mãos de um indivíduo inepto que tente praticar cirurgia, os danos que causará são irreparáveis. Empregada por um terapeuta inepto e sem treino adequado, a hipnose pode ser inútil e até prejudicial para os pacientes.

A hipnose estimula uma poderosa relação entre o terapeuta e o paciente, a qual influencia ambos os participantes. Por parte do paciente, trata-se, basicamente, de uma reconstituição simbólica das relações com um parente idealizado que lhe dará todo o apoio e as gratificações que acredita lhe terem faltado em sua própria infância.

Isto, em sua essência, é idêntico ao que acontece em qualquer relação médico-paciente, em que o paciente, perturbado, tenso, com dores e cheio de medo, acode à figura benéfica e curativa que porá fim às suas aflições. Durante a hipnose, esse efeito é intensificado. Essencialmente, o paciente, acudindo a um agente parental protetor, investe no hipnotizador qualidades onipotentes e oniscientes. Isto é complicado pelo fato de que, mais cedo ou mais tarde, poderá projetar no terapeuta as atitudes e reviver com ele algumas das experiências que teve com seus pais ou irmãos, durante os períodos formativos vitais de sua infância e adolescência.

Esse drama transferencial pode ser precipitado e negado no processo terapêutico e sua gestão constitui a própria essência da terapia de profundidade. No decurso habitual da terapia breve, com ou sem hipnose, essas projeções irrealistas não constituem um grande problema, salvo o caso de pacientes muito graves, e a tendência é serem neutralizadas quando não são encorajadas pelas técnicas analíticas formais, como a associação livre, a exploração do passado, a passividade do analista e o uso do divã. Contudo, poder-se-ão observar provas de transferência durante e após a hipnose, através de lapsos da fala, sonhos, atitudes e sentimentos que a terapia breve contornará, a menos que interfiram com sua terapia. As relações realistas com o terapeuta sobrepõem-se, mais ou menos, à relação de transferência, mantendo-a em xeque.

Também é importante o fato de que a hipnose pode mobilizar no terapeuta algumas atitudes e sentimentos neuróticos em relação ao paciente. Enquanto este se encontra em transe, apresenta-se ao seu espírito como uma espécie de indivíduo diferente do que é no estado de vigília. Passivo e imobilizado, pelo menos na aparência, o paciente pode estimular em alguns terapeutas fantasias de onisciência, grandeza, sadismo e sexualidade. Quando o próprio terapeuta tem problemas por resolver em suas relações interpessoais, poderá projetá-los na maneira como fala, em sua ênfase em determinadas espécies de conteúdo e suas manifestações de comportamento incomum em relação ao paciente. O paciente em hipnose reagirá, geralmente, com ansiedade a tais manobras. Muitos terapeutas são capazes de fazer uma boa terapia com seus pacientes, quando estes estão acordados; mas, quando tentam empregar a hipnose, perdem sua objetividade e, por conseguinte, sua eficácia terapêutica.

Portanto, é importante que cada terapeuta estabeleça a utilidade que o método hipnótico possui para ele. Terá de empregar uma espécie de abordagem quando utiliza a hipnose? A hipnose faz com que se sinta poderoso, sádico, ansioso ou sexualmente estimulado? Há uma mudança em seus sentimentos para com o paciente? Pode aplicar os mesmos critérios dinâmicos às respostas comportamentais do paciente em hipnose, tal como os usaria no caso de pacientes com quem trabalha sem hipnose? A hipnose tem um significado pessoal que o leva a supervalorizar seus efeitos? Estas interrogações só podem ser respondidas quando o terapeuta utiliza a hipnose com vários pacientes e observa cuidadosamente suas próprias reações, assim como as dos pacientes. Quando estes manifestam, sistematicamente, inclinações agressivas, sexuais ou masoquistas, durante ou após um transe, o terapeuta poderá encontrar a origem em si próprio. Se não controlar suas próprias emoções enquanto hipnotizador, a hipnose, como coadjuvante, não é coisa para ele.

Partindo do princípio de que a contra transferência não constitui problema de monta, cada terapeuta ainda terá de realizar experiências com a hipnose para ver como poderá combiná-la com suas próprias técnicas, sua personalidade e seus modos peculiares de trabalhar com os pacientes. A indução da hipnose pode ser facilmente aprendida, muitas vezes em poucos minutos, mas será preciso muito tempo para testar seus efeitos sobre os resultados terapêuticos.

Pode a hipnose eliminar sintomas?

Parece lógico esperar que a hipnose seja capaz de eliminar sintomas, pelo menos temporariamente, sem explicar a origem ou o propósito dos mesmos. Em alguns casos, essa expectativa será satisfeita. As sugestões autoritárias, sobretudo durante a hipnose, podem modificar ou remover sintomas de natureza histérica, desde que não se revistam de grande valor funcional, tendo cumprido sua finalidade neurótica e esgotado o ganho secundário. Outros sintomas que são o produto da tensão podem ser automaticamente aliviados, como resultado da resolução da tensão durante a hipnose. Em suma, o antigo aforismo de que os sintomas eliminados pela hipnose devem reaparecer numa forma idêntica ou numa outra forma, ou de que o equilíbrio psíquico será perturbado, precipitando uma psicose, é pura ficção. Esse alívio pode ser permanente e pode-se tirar proveito desse intervalo livre de sintomas para encorajar uma melhor adaptação à vida.

Presencia-se, repetidamente, o fenômeno de um indivíduo que, vitimado por um sintoma, quer se trate de uma paralisia funcional, de um tique facial, de obesidade, impotência ou qualquer outro defeito, fica tão afundado em sua desdita e em seu próprio fracasso concreto em realizar-se plenamente, que até sua capacidade de funcionamento é prejudicada. Anunciar a uma pessoa nessas condições que teremos de adiar o tratamento de suas queixas imediatas até que se investiguem a fundo os fatores determinantes do seu desenvolvimento, é ilógico e injusto. Tentar proporcionar-lhe o maior alívio no menor prazo de tempo constitui uma medida de solicitude que pode ajudar incomensuravelmente a forjar uma boa relação terapeuta-paciente. Se conseguirmos aliviar os sintomas, a restauração do funcionamento normal poderá redimir o amor-próprio do paciente e melhorar suas relações interpessoais, nos interesses de um melhor ajustamento total.

No capítulo “A Técnica da Terapia Breve”, faz-se menção do modo como a resolução de um aspecto do problema do indivíduo pode iniciar uma reação em cadeia com reflexos em toda a estrutura de personalidade, que influenciam outras das suas dimensões. Presenciei alguns exemplos surpreendentes de como umas poucas sessões hipnóticas podem alterar até os padrões mais sérios em todo o espectro da patologia psiquiátrica. Como e por que tais alterações se produziram é algo que ultrapassa minha compreensão. O fato de que aconteceram é testemunho de uma plasticidade inerente aos seres humanos que, por vezes, se aproveita da hipnose para dar rédeas às forças curativas adormecidas. Um paciente, um pregador oriundo de um Estado distante, que dedicara sua vida a ajudar os pobres e desvalidos, tinha ficado obcecado, seis anos antes de sua entrevista inicial comigo, aos quarenta anos de idade, por anseios homossexuais que o faziam rondar pelas ruas em busca de homens fisicamente atraentes. Para seu horror, viu-se entrando em banheiros públicos para observar os órgãos genitais de estranhos.

A penitência, a oração e a imposição a si mesmo das mais severas disciplinas não conseguiram acalmar-lhe a consciência nem sustar, pelo menos, suas incursões pelo pecado. Ele, que era um dos pilares da comunidade, sabia que estava pondo a perder sua reputação e segurança com uma conduta que só poderia acarretar a desgraça sobre si, sua esposa e seu filho. O desejo homossexual invadira-o após uma gradual perda de interesse sexual por sua esposa. Excetuando-se as esporádicas masturbações mútuas com um colega, no começo da adolescência, suas propensões sexuais tinham sido exclusivamente dirigidas a mulheres. Fizera uma boa escolha conjugal e, asseverou ele, seu ajustamento sexual com a esposa, nos primeiros anos, era excelente.

Sentia-se incapaz de compreender que forças maléficas o houvessem sobrepujado, ameaçando sua reputação, segurança e seus sentimentos de integridade como um homem de Deus. Em busca de alguma resposta, explorara revistas de medicina e, numa delas, deparara-se com um artigo sobre hipnose, escrito por mim, que o deixara tão intrigado que resolvera economizar o máximo que seus parcos rendimentos lhe permitiam, juntando o suficiente para uma viagem de três dias a Nova Iorque.

Tinha certeza de que, com uma sessão de hipnose que eu lhe induzisse, seria arrancado do caminho da ruína em que se encontrava e colocado de novo, firmemente, na senda heterossexual. Eu não compartilhava excessivamente de sua confiança em meus talentos nem de sua exuberante certeza de que as coisas seriam corrigidas com tanta facilidade. Contudo, em vista do grande sacrifício que fizera em vir a Nova Iorque, não tive coragem de frustrar seu otimismo. Mal dispunha de tempo para escutar uma descrição esquemática de sua história e induzir a hipnose, durante a qual lhe disse que tinha a impressão de que não estava tão doente quanto imaginava e que, em virtude de seu bom ajustamento passado com a esposa, possuía suficiente força íntima para sustar suas explorações homossexuais. Devia haver algumas razões pelas quais o interesse por sua esposa declinara.

Talvez se tivesse enfurecido com ela por algum motivo e reprimido seu ressentimento. Como renunciara a tanta coisa para vir consultar-me, estava demonstrando, com isso, querer, intimamente, a heterossexualidade e não tardaria em recuperar seu desejo pela esposa. Começaria a ter sonhos em que reconheceria por que se afastara de sua mulher e sonhos em que se sentiria em íntimo contato físico com ela. Seria capaz de auto-hipnotizar-se regularmente e de dar a si mesmo sugestões para observar-se explorando as causas de sua perturbação, assim como para recuperar a fé em si próprio como homem. Antes de dar a sessão por terminada, instruí-o brevemente sobre a auto-hipnose. Em cartas semanais regulares, durante alguns meses, deu-me pormenores de sua prática e contou sonhos que traduziam medo e hostilidade em relação a figuras femininas. Em sonhos posteriores, esses sentimentos começaram a se tornar gradualmente mais benignos. Retornaram as fantasias sexuais de natureza heterossexual.

Difícil no começo, achou progressivamente mais fácil conter suas excursões homossexuais. Em poucos meses, o contato sexual com a esposa foi restabelecido, com uma satisfação sistematicamente crescente. Uma correspondência periódica durante oito anos e uma visita de acompanhamento pós-clínico indicaram mudanças em sua adaptação geral que teriam sido registradas como um êxito impressionante da terapia prolongada, se esta abordagem tivesse sido prescrita. Não tenho certeza sobre o que teria acontecido para alterar os complexos mecanismos intrapsíquicos do paciente, e se as mudanças foram provocadas por fatores ilusórios de panacéia, pelas influências salutares da auto-observação ou por ambas as coisas. Qualquer que fosse o mecanismo, o certo é que o entreato hipnótico desempenhou um assinalável papel na melhora do paciente.

Tenho tido numerosas experiências com obsessivo-compulsivos crônicos que se torturavam com suas fantasias angustiosas e que, após terem passado sem êxito pela psicoterapia e pela psicanálise prolongadas, reagiram favoravelmente a algumas sessões hipnóticas concentradas em ensinar ao paciente como rechaçar de sua mente as obsessões e ocupá-la com preocupações mais pacíficas e produtivas. Em numerosos pacientes, comprovou-se que a auto-hipnose era um instrumento valioso. Em estudos de acompanhamento pós-clínico, alguns desses pacientes, que tinham sido considerados casos perdidos, mostraram mudanças espantosas em sua estrutura total de personalidade e em sua adaptação à realidade, as quais superaram em muito minhas expectativas clínicas.

Desses exemplos, não devemos supor que a hipnose seja um substituto para o tratamento prolongado, nos casos em que esta abordagem é indicada. Quando indicado e bem aplicado, o tratamento prolongado pode promover uma mudança tão profunda na personalidade que os resultados são excitantemente compensadores. As resistências podem ser combatidas de modo sistemático e eficaz, e novos potenciais podem ser libertados para estimular o ajustamento. Ao mesmo tempo, não devemos minimizar o que pode ser feito pelas pessoas com um tratamento breve, sobretudo quando nos deparamos com problemas que não se prestam a uma exploração prolongada ou quando, em virtude de necessidades pessoais, se teme que o paciente se perca, irremediavelmente, num interminável labirinto terapêutico. Em tais pessoas, a hipnose pode contribuir substancialmente para o esforço do tratamento breve.

Nem todos os sintomas cedem a influência hipnótica. Os que servem a um propósito importante na economia psicológica e os que decorrem de tensões que resistem à influência apegam-se ao paciente com um desespero que desafia os recursos combinados do hipnotizador.

A maioria dos pacientes pode facilmente neutralizar as intenções do hipnotizador, resistindo às sugestões, mesmo no mais profundo estado de transe. Mas, se o paciente for um ótimo sujeito hipnótico e o hipnotizador for hábil, embora seja, obviamente, um mau terapeuta, se o fizer, poderá confundir astutamente os problemas e induzir o paciente a condescender, por meio de seus ardis. Nesse caso, o paciente poderá ficar exposto a perigos que evitou até então com seus sintomas e que agora poderão desencadear uma ansiedade incontrolável e desintegrar sua reserva psicológica.

A semântica da sugestão é importante. Um paciente a quem se ordena que suprima um sintoma poderá resistir, por um reflexo de seus ressentimentos contra os pais excessivamente disciplinadores, ou, raramente, se for um sujeito hipnótico excepcionalmente bom, poderá condescender por algum tempo. Em última instância, sua ansiedade o forçará a restabelecer seus controles sintomáticos.

Por outro lado, se dissermos ao paciente que sentirá o desejo de abandonar seus sintomas, que esse desejo ganhará tanta força que o levará a querer fazer tudo o que for necessário para livrar-se de tais sintomas e que desfrutará com prazer da experiência de ser agora um indivíduo livre de sintomas, poderá reagir da maneira mais apropriada. Por exemplo, se um paciente tem um tique facial, poderemos dizer-lhe na hipnose: “Você descobrirá que se sente muito mais descontraído e, portanto, muito mais à vontade e muito melhor, acabando com sua necessidade de ter esse sintoma particular. Poderá passar o dia todo sem pensar sequer nesse tique e sentindo-se bem com essa ausência. Isso acontecerá porque o tique deixou de ter qualquer significado para você. Quando chegar ao ponto em que vai querer renunciar ao seu tique facial, então descobrirá que ele já não existe.”

A improvisação de sugestões deste gênero pode ser feita para tendências tais como a glutonaria na obesidade, a falta de apetite na subnutrição, o fumo, a insônia, a enurese, a impotência e outros sintomas. Essas sugestões podem ser muito eficazes.

Dr. Lewis R. Wolberg

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